segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

"uma mão cheia de nada, e o mundo à cabeceira"




Parede,
Tu que serves de encosto,
Por entre cada antiga pedra tingida por fungos,
Por entre cada fenda coberta e abafada por musgo,
Sussurra-me se faz sentido
Toda esta viciante comodidade
Se “tudo muda, tudo parte, tudo tem o seu avesso”

Sol,
Ilumina toda essa utopia que é a palavra tristeza,
Faz dela brinquedo frágil,
Parte-a.
Destrói-a, como uma inocente criança.

Vento,
Com as brisas doces de recordações bonitas,
Traz-me o arrepio da felicidade.
Faz-me cheirar essas inigualáveis especiarias,
Guardadas no cesto da bicicleta do tempo em tons de sépia.

Mar, escuta
Atenta no ranger das minhas velhas portas,
Abre-as com a força das tuas correntes
E leva nas tuas águas todos esses medos do que foi.
Descobre a porta com melhor perspectiva para este labirinto que é a vida,
Chama por ela, como o fazes a mim,
Quando no teu vai-vem me puxas suavemente as pernas.


(...)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

eu disse-me ...

Tento eu escrever sobre "coisas felizes", quando as minhas mãos e a minha mente me conduzem para pensamentos e lembranças menos felizes.

Tu nunca estás aqui, muito menos estiveste aqui perto.
Tu nunca estiveste aqui, nem nunca te senti perto de mim.
Punhas-me na tua lista de compras de super-mercado.
Sabes o que é fazer parte de uma lista de super-mercado?
Eu posso esperar. Pois bem, não posso. Não posso e não espero mais.

A cada dia que passa, a cada noite que passa, o frio invade o teu lado da cama.
Há alturas em que invade a cama por completo.
Devido a noites em branco a pensar no porquê de não se abrirem as jaulas intemporâneas que me prendem a alma.
Mudaria a história, se me permitissem tal traição em inventer o tempo. Mudaria?
Desisti de pensar nisto. E que fique bem ciente que só desisto em caso de necessidade extrema.

A divergência causada pelo cruzamento das nossas vidas, não foi em vão.
Se calhar não nos completávamos assim tanto.
O quarto mudou de sitio. Quem o habita agora são fantasmas que se alimentam da tal, e grandiosa, tristeza.
Rindo à gargalhada mais e mais, pela abundância de alimento, cada vez que os meus pensamentos te tocam.
Eu disse-me. Por agora, deixo este lugar.
E talvez nao tencione voltar.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

a soleira da porta.



O vento parou.
O mundo parou com ele.
A porta abriu e assim ficou
Ele saiu, para longe.
Até que o horizonte impedisse a minha vista de lhe tocar.
Eu fiquei, nessa soleira da porta, a tentar impedir que o horizonte me impedisse.
Eu fiquei, de olhos molhados.
Eu fiquei a vê-lo ir.
Isto doeu. Doeu bastante.
Ver malas feitas de tudo o que era Nosso.
Vê-lo pegar nelas e partir.
A porta ficou aberta.
Eu não a fechei.

O vento voltou.
A porta, aberta, tinha-me lá a mim, encostada à sua soleira.
Como todos os dias, de joelhos, num súplico constante para que acabassem com tal dor.
O vento voltou.
O mundo girou na sua dança.
Era ele, no horizonte.
Era ele e os meus olhos brilharam ao obter essa confirmação.
O coração encheu-se de luz, tal como aquela casa, tal como o sol do meio-dia.
Esbocei um sorriso forte e sincero.
Corri, corri até ele, com lágrimas de felicidade a deslizarem face abaixo.
Ele largou as malas e abraçou-me.
Levantou-me até que ficasse do seu tamanho.
Levantou-me até que o meu nariz chegasse ao seu.

- Nunca voltes a ir…
- Eu sempre aqui estive.



imagem: "Despedida" - Peter W.