domingo, 22 de março de 2009

carta a ti:

imagem: Paulo Lobo

Hoje, vi a lua nascer. Vermelha, tímida, inocente, medrosa. Guardadora de um fardo, chamado fobia, aconchegado no bolso da sua alma. Fobia de mim, fobia de ti, fobia da sociedade que um dia construímos. A mim, alvo de censura, olha-me de soslaio, num brilhar reprovador. Para ti nem se digna sequer a olhar. Nem para ti, nem para muita gente. Acto que transporta uma vasta tristeza nas suas entrelinhas. Tristeza pela teia de aranha de ideias erradas e entrelaçadas que é a tua cabeça. Umas constroem outras, reproduzem-se, são aos milhares.

Hoje, vi a lua nascer. No seu movimento lento que reflectiu a falta de vontade de voltar a ver-me a mim, e muito menos a ti. Será que ela é tão lenta nos sítios onde não estamos?

Hoje, vi a lua nascer. Ela que mais uma vez me lembrou de que existes, e que também olhas para ela, mesmo longe de mim. Ela, que hoje me disse só nascer para alguns.

Hoje, vi a lua nascer. Enfraqueceu-me a quantidade de amor contido nos seus mares: mesmo sabendo que este mundo não gira à volta dela, ela fá-lo, há imenso tempo, dia após dia. Enfraqueceu-me saber o quão fracos somos. Enfraqueceu-me saber o quão insignificante é a presença do meu ser neste universo. E revoltou-me a estadia insistente de um certo egocentrismo nos confins dos meus sentimentos. Quando nem à volta da lua, sofredora e insistente, o mundo gira.

Hoje, vi a lua nascer. Hoje, apenas na força de uma troca de olhares, ela mandou-me dizer-te tudo isto.
Agora, a lua está no céu. Petrificada, fria, e inundada pelo reflexo dos meus olhos, à espera que tu leias o que ela me mandou dizer.

sexta-feira, 20 de março de 2009

metade.

E foi hoje,
no momento em que um raio me acertou,
que eu descobri que afinal
até havia outra metade de mim.

terça-feira, 10 de março de 2009

a tua porta

Bati à porta.
Queria saber se, uma vez na vida, estavas para mim.
Queria contar-te histórias que me têm embalado nestes frios dias;
Queria abrir a minha cabeça repleta de ideias e deixar que te envolvessem, dançando em ti.

Bati à porta, ouvi ecoar dentro de casa.
Queria abraçar-te, deixar de lado todo o rancor que aqui dentro esteve camuflado;
Queria contar-te as minhas tristes noites sem ti;
Queria tatuar no teu corpo toda a nossa complexa história, e sublinhar, no fim, que esta não tinha acabado;
Queria sentir-te…

Bati à porta, pela terceira vez.
Observei a minha mão imperfeita num acto repetitivo.
As ideias reproduziam-se, multiplicavam-se, o que me incomodava ainda mais.
Tinha tanta coisa para te contar…
Impaciente e ansiosa, dei por mim a bater com o pé no chão,

A porta abriu vagarosamente…
Uma cabeça inclinou-se por de trás dela, lançada num som que me pareceu “quem é?”
E lá estavas e tu.