O telefone toca outra vez. Toca sem parar.
Um corpo levanta-se, de rompão, e quando o telefone pára de tocar já está ela a atingir a maçaneta da porta das traseiras.
A partir deste momento, há a quietude de uma cena dramática: consegue imaginar o telefone a continuar a tocar na sala deserta, a respiração do silêncio entre cada toque, a jarra de flores que se encontra ao lado dele, com as pétalas sopradas com força e espalhadas sobre a mesa, a cadeira vazia e empurrada para trás, a relva e as árvores mais ao longe, para lá da janela aberta com cortinados tocados pelo vento.
Ela corre, com toda a força, para o sítio mais longe que possa imaginar. Ela correrá até que a exaustão dos seus pulmões a impeçam.
Rompe a atmosfera que paira sobre as altas árvores como uma flecha. E continua a correr. A correr sem parar. Como uma criança que foge, brincando às escondidas.
Ela corre. Até ir parar num lugar onde nem ela própria se possa encontrar. Até se perder. De si, e do mundo.
Cai de joelhos na exaustão, presa ao seu corpo com finitas capacidades. O piso é húmido, e verde, e o sítio é completamente incógnito, sem identidade. Ela olha em volta, e vê a paz. Sem um telefone constantemente a tocar-lhe ao ouvido. Sem um tecto a esborracha-la contra o chão. Mudou de rua, e neste momento já não está no beco sem saída. “Sou livre”, fechou os olhos com força e pensou na sua nova condição, ainda que não esteja bem certa do que significa. Mas tudo o que ela estava era completamente sozinha, em lugar nenhum, desterrada numa terra desconhecida, como um explorador solitário sem bússola nem mapa. “Será isto a liberdade?”