quarta-feira, 10 de março de 2010
fim.
agradeço a todos os seguidores.
até um dia ;)
"As folhas caem e voltam para as raizes. Quando aparecem de novo são silenciosas..." Hui-Neng
domingo, 7 de março de 2010
ecos do silencio
Hui-neng estava a cozinhar quando ouviu um jovem noviço a recitar tais versos. Como não sabia ler nem escrever, pediu-lhe que anotasse também uns versos seus:
"O corpo não é uma árvore,
A mente não é um espelho;
Já que tudo é vazio,
Como pode grudar a poeira?"
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
ambiguidade.
A noite cai, o mundo adormece.
O escuro fecha-se
Agasalha-me, abraça-me, arrepia-me, tapa-me, venda-me.
Eu fujo, ele perde-me.
A noite cai, o mundo acorda.
A luz acende-se
Ilumina-me, abrilhanta-me, ofusca-me, projecta-me, aquece-me.
Eu fujo, ela encontra-me.
Sou ambígua.
O escuro repugna-me,
O escuro fascina-me.
Não me encontra, eu escondo-me, eu procuro-me, eu acho-me.
Eu abraço-me, eu vendo-me e eu temo.
Tudo tão leve é no vácuo.
Escreve-se direito nas entrelinhas.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Ignoro.
imagem por: Decomarte
Caídas na minha mão. Sem cheiro, com as três pétalas superiores e de maior dimensão, e duas inferiores na esquina da sua beleza, juntas com o seu relevo amarelo alaranjado no seu ápice e outrora carnudas, caíram. Caíram na figura desvanecida, doente e envelhecida; com as suas veias em relevo, e sem o brilho que um dia tiveram, cada vez que nelas o sol era reflectido.
A orquídea branca desflorou. As outrora belas flores brancas estão agora enrugadas na minha mão. Aperto-as e pergunto-lhes o porquê, sem obter resposta. Ignoro. Ignoro, no centro da minha maior sabedoria, o porquê destes porquês. Por dizerem que o ignorante tem na posse a vida mais sábia de todas, sinto-me no centro da minha maior sabedoria e, ainda assim, ignorante. As flores, sem que nada lhes tenha dado razão para partir, apenas porque lhes apeteceu, foram embora.
Sentada e com as flores mortas na minha mão, ignoro. Ignoro o porquê de seres tão irracionais serem donos de uma racionalidade tão grande. A decisão sábia de partirem apenas porque sim, ou porque não, ou apenas porque ponto final. Apenas porque sentem que devem. Apenas porque o ar à sua volta se tornou irrespirável. Quantas vezes o ar se tornou irrespirável à minha volta e eu não parti? Ignoro.
Na noite fria que cai, deixo as flores deslizarem nos dedos enrijecidos pelos meus frios músculos. Elas assumem-se em queda livre, parando, imóveis, no chão. E eu ignoro o porquê, sem querer que alma nenhuma mo diga.
Porque há quem diga que o mais feliz é o que ignora o mundo em seu redor, ignoro e sou feliz. Por isso fecho os olhos, viro costas e aceito as coisas como elas são, tal e qual como uma criança que aceita um não. Ignoro. Recolho-me no meu canto e olho para o mundo de uma forma ignorante, sábia e feliz.
E tudo se torna mais simples.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
não me mintas.
Não me mintas. Não me contes histórias de fadas, não me tapes com pozinhos mágicos.
Não me mintas. Não queiras que caia nas tuas teias, não me apanhas com essa facilidade.
Não me mintas. Não me enganes dizendo que seguindo o vento irei ser feliz.
Não me mintas. Não me faças sentir mal por permanecer resguardada da tua corrente.
Não me mintas.
Não me mintas sobre tensos fios que na realidade estão cortados.
Não me mintas sobre lágrimas que derramaste. E, sinceramente, ainda espero receber enciclopédias de desculpas no meu correio, vindas de ti.
Eu não te minto. A fogueira das minhas acusações extinguiu-se, e não me faças sofrer por isso.
Eu não te minto, já não sou criança e já não caio nos teus contos.
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
liberdade.
O telefone toca outra vez. Toca sem parar.
Um corpo levanta-se, de rompão, e quando o telefone pára de tocar já está ela a atingir a maçaneta da porta das traseiras.
A partir deste momento, há a quietude de uma cena dramática: consegue imaginar o telefone a continuar a tocar na sala deserta, a respiração do silêncio entre cada toque, a jarra de flores que se encontra ao lado dele, com as pétalas sopradas com força e espalhadas sobre a mesa, a cadeira vazia e empurrada para trás, a relva e as árvores mais ao longe, para lá da janela aberta com cortinados tocados pelo vento.
Ela corre, com toda a força, para o sítio mais longe que possa imaginar. Ela correrá até que a exaustão dos seus pulmões a impeçam.
Rompe a atmosfera que paira sobre as altas árvores como uma flecha. E continua a correr. A correr sem parar. Como uma criança que foge, brincando às escondidas.
Ela corre. Até ir parar num lugar onde nem ela própria se possa encontrar. Até se perder. De si, e do mundo.
Cai de joelhos na exaustão, presa ao seu corpo com finitas capacidades. O piso é húmido, e verde, e o sítio é completamente incógnito, sem identidade. Ela olha em volta, e vê a paz. Sem um telefone constantemente a tocar-lhe ao ouvido. Sem um tecto a esborracha-la contra o chão. Mudou de rua, e neste momento já não está no beco sem saída. “Sou livre”, fechou os olhos com força e pensou na sua nova condição, ainda que não esteja bem certa do que significa. Mas tudo o que ela estava era completamente sozinha, em lugar nenhum, desterrada numa terra desconhecida, como um explorador solitário sem bússola nem mapa. “Será isto a liberdade?”
domingo, 4 de outubro de 2009
sapatos negros.
Tenho uns sapatos negros calçados, os quais não consigo deixar. Pela vida usados, abusa, o parasita, de quem agarra.
Tenho Os sapatos negros envernizados, tatuagens que não consigo descalçar. Vira mundos do avesso, troca as coordenadas do Cabo das Tormentas para as do sítio onde habita, o parasita.
Tenho sapatos negros re e renegados, pelo medo de quem já se afundou. Muda correntes e confunde os ventos, traz a dor do sofrimento a quem jamais assim o provou.
Tenho o fim do poço em mim disfarçado, e já não tenho volta a dar. Os sapatos negros calçados, e a luz do mundo com a frágil vida a brincar.
Há quem tenho a pedra no sapato. Há quem tenha duas no seu estado maior.